[Coleção de receitas, algumas bastante originais, para o preparo das mais variadas iguarias]
MINISTÉRIO DA CULTURA - Fundação Biblioteca Nacional - Departamento Nacional do Livro
"Apresenta-se ao leitor o exemplar de "Um Tratado da Cozinha Portuguesa do Século XV" editado em 1963 pelo Instituto Nacional do Livro. Para atualizar a leitura, optou-se por corrigir a ortografia, sendo esta, no entanto, a única alteração que se fez ao texto. A culinária revela gostos e personalidade. A culinária revela traços sutis, das pessoas e dos tempos, ou seja, das culturas.
"Tomem carneiro, alcatra, ou lombo de porco fresco, e uma fatia de toucinho fumeiro, para dar gosto. Piquem tudo muito bem. (....)". Alcatra, carneiro, lombo de porco, toucinho fumeiro.... Em muitas receitas observa-se o uso de ingredientes cujo poder de sustância dos alimentos preparados remete, por exemplo, a uma estética onde predominava a voluptuosidade das formas corporais. Ao contrário dos tempos atuais que impõe a todos, independentemente de constituição corporal, silhuetas delgadas; naqueles tempos ser esbelto poderia anunciar, ao invés de saúde, a tísica. Para fortalecer o doente recomendava-se curiosa receita a base de um suculento caldo de frango: o Frango para os hécticos, que deve ser preparado "com uma dúzia de frangos, cujo único alimento consista de titela [parte carnuda do peito] de cágado, cozida ou cevada: esse alimento deverá ser sempre fresco".
Outras receitas revelam o ciclo de um período onde o "tempo", este grande velocista de nossa época, se revela cauteloso e moroso. No cotidiano, havia "tempo" para o preparo demorado dos alimentos, das compotas e assados. "Durante nove dias permanecem as fatias nessa calda, e cada dia levam uma fervura....Os pêssegos ficarão em água fria durante dois dias e essa água será trocada cinco vezes ao dia..."; ou ainda, ".... tirem os pedaços da abóbora e coloquem nos imediatamente em água fria, onde permanecerão por três dias, com água trocada de cinco a seis vezes ao dia". Alguns pratos levam dias para serem curtidos e saboreá-los é o presente pela espera.
As receitas de doces abusam da disciplina do leitor: massas folhadas, biscoitos, compotas, doces de frutas — marmelo, pera, flor-de- laranjeira, pêssego e limões —, sem esquecer a abóbora em calda e os beilhós de arroz com canela e açúcar; além dos confeitos que ao "levantar fervura formam pérolas na tona".
Os condimentos apontam para a importância das especiarias vindas do oriente: cravo-da-índia, pimenta, canela, gengibre, cominho, açafrão, ervadoce e o arbusto almíscar.
Também as verduras frescas não devem faltar: cebola, salsa, coentro, cheiro-verde e hortelã. Amêndoas, pinhões e nozes .... Aromas e sabores; lembrando os efeitos afrodisíacos que os temperos guardam e que a boa mesa sempre recomenda. Muita calda de açúcar para os doces e os assados. Sem falar no cheirinho irresistível que a mistura simples da cebola farfalhando na manteiga faz sentir. Tudo isso borrifado com muitas gotas de água-de-flor apenas para lembrar que preparar alimentos também é dádiva do amor."
RICARDO NUNES
[http://vagueando.forumeiros.com/t18620-um-tratado-da-cozinha-portuguesa-do-seculo-xv]
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